1. O homem: José Joaquim Rodrigues de Freitas (Porto, 24-1-1840 – 28-7-1896) formou-se em engenharia civil (de pontes e estradas) na Academia Politécnica, onde vem a ser professor da disciplina de Comércio e de Economia Política.
Rodrigues de Freitas, descontente com a situação política, abandona o liberalismo da tradição setembrista e declara-se republicano. Foi um dos fundadores do Partido Republicano em Portugal e por este partido eleito, em 1870, deputado pelo círculo eleitoral de Valença do Minho, e em 1871, pelo 1ºcírculo do Porto, pelo qual veio a ser reeleito em 1879 e 1886. Agastado com a situação política, resignou ao seu mandato.
Depois do Ultimatum da Inglaterra, em 11 de Janeiro de 1890, Rodrigues de Freitas entrou na Liga Liberal do Norte. Por último, ainda, aderiu à Revolução de 31 de Janeiro de 1891.
Como deputado – o primeiro e único republicano da Câmara – gozou, entre os seus pares, de muita consideração e respeito; e nessa condição desempenhou um papel de relevo no alastrar do movimento republicano.
Outra faceta da sua actividade foi o jornalismo: fez parte das redacções dos jornais Eco Popular e Pedro V; colaborou em O Comércio do Porto, e foi correspondente dos jornais Correspondência de Portugal, Jornal do Comércio e O Século.
O autor, orador caloroso e fluente, escritor e publicista, deu à estampa obras que versam sobre os mais diversos assuntos: teorias económicas, quadros históricos, crises nacionais, concepções pedagógicas, sistemas sociais, debates políticos.
Teófilo Braga, seu contemporâneo, caracteriza-o como “inteligente e activo, preponderando nele a afectividade”, e acrescenta que tinha “por princípio supremo um consciente altruísmo”; Duarte Leite Pereira, no campo político, di-lo símbolo dum partido, e vê no seu carácter a bondade e os sentimentos altruístas, apontando-o como “exemplo vivo de coerência, de desinteresse e de tenacidade”; Carolina Michaëlis em Rodrigues de Freitas também salienta o altruísmo e o facto de ser um homem preocupado com a aplicação prática do bem.
2. Concepções Pedagógicas: A educação é inseparável da vida da cidade (a pólis), das relações económicas e sociais que a constituem, bem como da forma do seu governo. Rodrigues de Freitas, na condição de deputado republicano, proferiu no Parlamento, nos dias 7 e 9 de Maio de 1879, um discurso considerado pelos seus contemporâneos “um dos mais notáveis que têm sido pronunciados no parlamento português” – dedicado à problemática da educação e da instrução.
Em 1888 publica um opúsculo sobre a vida e obra de Frederico Froebel (pedagogo alemão que teorizou e fundou os primeiros jardins de infância, os Kindergarten), onde, aqui e além, transparecem algumas das suas próprias ideias pedagógicas; escreve um conjunto de três artigos sobre a educação feminina a nível secundário, publicados em O Comércio do Porto (nºs 230, 242, 277 de 1888), e ainda em 1895, publica em Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro, após a reforma do ensino secundário de 1894 (conhecida por reforma de Jaime Moniz), um interessante artigo sobre a “A questão do Latim”.
O autor foi um político progressista, e como tal centrou as suas preocupações e o seu discurso pedagógica no problema da educação popular. Em nome da democracia realçou o direito de todos a um mínimo de instrução, e em nome do desenvolvimento afirmou a imperiosidade de se prestar especial cuidado aos conteúdos programáticos.
Do direito à educação preconizou a solicitude (sic) do Estado em abrir escolas para o povo, com o fim de que cada um se possa realizar plenamente como indivíduo e membro da colectividade. Neste sentido, escreveu: “Que se dê, pois, instrução às classes laboriosas, que elas progredirão rapidamente”.
E mais uma vez a sua postura democrático impõe-se na extensão dessa política a todas as classes sociais. É nesta atitude que o autor releva o carácter essencial da instrução primária (hoje dizemos educação básica) e dedica uma atenção especial à educação da mulher, então sonegada ou, quando muito, relegada para segundo plano face à do homem.
Ainda nesta ordem de valores, realça a educação pragmática em detrimento duma educação formal. Na linha do realismo pedagógico, valoriza os saberes científicos, as línguas vivas, o carácter funciona do saber e a sua (necessária) ligação ao desenvolvimento industrial e económico. Nota que a educação é permanente, e vê nos museus, livrarias, concertos populares, etc. instituições fundamentais da educação extra-escolar. Há ainda a referir, no autor, a crítica aos métodos de ensino – uma constância na história da educação.
Dos seus escritos vislumbram-se tentativas de justificação e compreensão da realidade educativa, afirmando-a como um fenómeno de primeira necessidade, como solução para ultrapassar o atraso económico e o desenvolvimento do país. Considera “tudo que respeita à instrução pública” ser “importantíssimo” em todas as circunstâncias, e acentua que “no estado actual da nossa pátria, a importância de tal assunto se me afigura inexcedível”.
Mas a sua atitude face ao fenómeno da educação é menos do domínio da fundamentação e mais do da realização; por isso, nos seus escritos debate-se com situações concretas e apresenta propostas de reforma na instrução pública. E é interessante verificar também que Rodrigues de Freitas faz depender da educação e da instrução a produção económica. Desta forma, na pena do Freitinhas (como era carinhosamente tratado em vida), emerge, como político, a crítica ao que foi chamado de “obscurantismo monárquico” e a afirmação da importância da educação como força emancipadora.
À importância que atribui às questões educativas subjaz o mito tradicional do renascimento social através da educação, e a concepção de que formando o indivíduo, este melhor servirá a sociedade, ou, se quisermos, que só com indivíduos verdadeiramente educados é que se torna possível a resolução dos problemas sociais. Mas as finalidades da educação, que subjazem no registo pedagógico do autor, mais que oscilarem entre um pólo individual e um pólo social, vão no sentido do desenvolvimento da sociedade. Ainda no autor, de inspiração rousseauniana e que toca mais ou menos a todas as pedagogias, há a defesa de um projecto reformista que visa a transformação do mundo, da sociedade estabelecida. Ou seja, o desejo de pela escola transformar a sociedade, tornando-a mais igualitária, mas que perpetua as desigualdades.
3. Liceu D. Manuel II/ Sede de Agrupamento de Escolas Rodrigues de Freitas: a razão dum patrónimo. A importância política deste homem e, nomeadamente, a defesa das suas concepções pedagógicas terão sido razões de peso para a atribuição do sue nome à nossa instituição escolar.
Recorde-se que o Liceu Nacional do Porto – hoje Escola Secundária Rodrigues de Freitas – foi criado em 1836 (Decreto- Lei de 17 de Novembro). Organizou-se quatro anos depois desta data e ficou instalado, juntamente com a Academia Politécnica, num velho palácio da Rua de São Bento da Vitória. A partir de 1880 passou a designar-se Liceu Nacional Central do Porto. Após a divisão dos liceus em centrais e nacionais, passou a denominar-se Liceu Nacional Central da 2º Zona Escolar do Porto, em virtude do estabelecimento de um outro na mesma cidade. Por decreto (9 de Setembro) de 1908, foi-lhe dado o nome de D. Manuel II, em 1957 de Liceu Normal de D. Manuel II, A partir de 1974 é novamente designando Liceu de Rodrigues de Freitas.
Hoje, após denominações de Escola Secundária, de Escola Secundária com 3º ciclo, etc. é sede de Agrupamento de Escolas Rodrigues de Freitas e funciona no edifício construído para o Liceu (1933), na Praça Pedro Nunes. Até então teve diversas (sete) localizações.
A alteração de patrono (em 1947) obrigou a trabalhos no frontão da fachada do corpo central do edifício no sentido de nele gravar o nome do último monarca português, nome esse que, não obstante as mudanças operadas desde 1974, ainda aí permanece.
António Augusto Oliveira Cunha
Elementos da sua História
A Escola Básica e Secundária de Rodrigues de Freitas (antigo Liceu de D. Manuel ll/de Rodrigues de Freitas), situada na cidade do Porto, foi fundada como Liceu Nacional do Porto em 1836.
O Liceu iniciou a atividade em 1840, em instalações partilhadas, mudou várias vezes de instalações, de designação, de patrono, de estatuto e, hoje, como no início, partilha o seu edifício.
É sobre esta instituição com uma “história singular em relação aos Liceus portugueses”, conforme assinala Luís Correia que, com o apoio especial da obra deste historiador, nos focaremos sobre alguns dos momentos da sua quase bicentenária existência.
1. Mudanças de designação: De Liceu Nacional a Escola Básica e Secundária.
O Liceu Nacional do Porto foi criado por Passos Manuel em 1836 (decreto-lei de 17 de novembro).
A partir de 1880 (02.06.80) passou a designar-se Liceu Nacional Central do Porto.
Após a divisão dos liceus em centrais e nacionais, foi alterada a designação e passou a denominar-se Liceu Nacional Central da 2ª Zona Escolar do Porto (1906), em virtude de ter sido criado o Liceu de Alexandre Herculano, na Zona Oriental da cidade. Por decreto (9 de setembro) de 1908, foi adotada a designação de Liceu Nacional Central de D. Manuel II.
Dois anos mais tarde, por decreto de 23 de outubro de 1910 do Governo Provisório da I República, passou a denominar-se Liceu de Rodrigues de Freitas.
A partir de 1947 foi retomada a designação de Liceu de D. Manuel II, e em 1957 de Liceu Normal de D. Manuel II.
Com a revolução de abril de 1974 é novamente designado Liceu de Rodrigues de Freitas (decreto-lei de 31 .12 .1974).
“O Liceu sempre esteve na categoria mais elevada dos liceus do país, a par dos de Lisboa e Coimbra” (Luís Correia, o.c.). Hoje – após denominações de Escola Secundária (1979), de Escola Secundária com 3º ciclo -, é Escola Básica e Secundária e sede de Agrupamento de Escolas de Rodrigues de Freitas. Funciona desde setembro de 1932 no edifício construído de raiz para instalar o Liceu, na Praça Pedro Nunes.
Após a alteração de nome do patrono em 1947, realizaram-se trabalhos no frontão da fachada do corpo central do edifício para nele gravar o nome do último monarca português, substituindo o de Rodrigues de Freitas, nome que, não obstante as mudanças de patrono e de denominações desde então havidas, ainda aí permanece.
Atualmente, apesar de já não ter significado formal, o termo “Liceu” ainda é usado na linguagem corrente para designar as escolas que ministram o ensino secundário, maioritariamente centenárias, que tiveram origem em antigos liceus, como é o caso da escola de Rodrigues de Freitas. Neste sentido usaremos os termos Liceu e Escola Secundária fazendo-os corresponder ao tempo da designação oficial da instituição.
2. Os primeiros anos, tempos de constrangimentos.
Por falta de verbas, apenas em 1840, precisamente no ano do nascimento do seu atual patrono, deu início à atividade. Ficou instalado, até ao ano de 1861, no edifício da Academia Politécnica do Porto (o extinto Convento das Carmelitas), o qual já partilhava as instalações com a Academia Médico-Cirúrgica e com parte da Academia de Belas-Artes.
Em relatório de 1840/41, lamentava-se o reitor: “o liceu acha-se sobremaneira comprimido”; na verdade só dispunha de três salas para todas as aulas, que não eram fixas nem isoladas das demais salas das Academias. Não tinha espaço para uma biblioteca, para a secretaria e para sala de reuniões, além de que os alunos tinham de partilhar os corredores com “os outros inquilinos”. É nestas deficientes e impróprias instalações que o reitor vê a principal razão do afastamento dos alunos da frequência do Liceu. Não era caso isolado, pois os liceus “chegaram à década de 1850 funcionando de modo precário”, escreve Rómulo de Carvalho, o.c.)
Além das instalações outros fatores contribuíram, nesta época, para a pouca afluência de alunos, nomeadamente o sistema de matrículas do ensino secundário, o regime de disciplinas por que se regia e a limitada oferta curricular. O regime de matrículas, até à reforma de 1880, permitia a coexistência de alunos ordinários (matriculados) e ouvintes que se podiam autopropor a exame; além dos alunos externos que só procuravam o Liceu para fazer exames.
Neste contexto, a importância atribuída aos exames facilitou o desenvolvimento do ensino privado e o afastamento do ensino público. No Porto, como nas maiores cidades, “os colégios, os simples cursos, pululavam por toda a parte”; e os liceus com muito poucos alunos, durante o ano, estavam “transformados em fábricas de diplomas, |que| praticamente funcionavam em época de exames” (Maria C. Proença, o.c.).
A esta realidade há ainda a acrescentar uma concorrência desleal dos professores particulares que, apesar de “ineptos” – e talvez também por isso -, tentavam desacreditar o Liceu como forma de angariar alunos, afirmava, convicto, o reitor, em 1841/42.
A limitada oferta formativa de que o Liceu dispunha também não era um atrativo. No primeiro ano cingia-se às disciplinas de Latim, Grego e Oratória. No segundo ano não houve aulas de Grego, por o professor ser provisório, nem de Alemão, por não haver alunos matriculados. Quanto ao resto, refere o reitor que as demais cadeiras “se achão occupadas (sic) por muitos dignos professores…” (Luís Correia, o.c.). A verdade é que o número de alunos matriculados era reduzidíssimo – refira-se, a título de curiosidade, que no ano letivo de 1842/43 o Liceu não tinha qualquer aluno ordinário -, e quanto à qualidade da classe docente, Rómulo de Carvalho é menos complacente que o reitor e fala de uma “calamidade nacional”.
3. “Um dos momentos maiores da história do Liceu”.
Tentando resumir a história do Liceu desde a sua criação, em 1836, até à reforma de Jaime Moniz, em 1894/95, podemos dizer que se viveu o que João Barroso descreve como um tempo “de verdadeiro descalabro no funcionamento do ensino liceal” (o.c.): funcionava em instalações degradadas ou inadequadas, havia escassez ou inexistência de material didático, insuficiente formação científica e pedagógica dos professores, desorganização curricular e politização exagerada das questões educativas. Acrescentemos ainda uma dificuldade, ou melhor, uma incapacidade por parte dos responsáveis governamentais em encontrar um rumo para as políticas educativas.
Neste clima de indefinição e falta de clarividência, o Liceu entrou em contenda com a tutela ao contestar, de forma corajosa, a imposição de uma nova reforma em 1870, quando uma datada de 1868 acabava de ser implementada e na qual o Liceu se tinha envolvido com dedicação e profissionalismo. Este conflito, que custou a demissão do reitor, “mostra coragem e orgulho profissional num tempo dominado pelo silêncio e acomodação geral dos liceus” (Luís Correia, o.c.).
Além deste embate, e face à dura resposta das autoridades centrais, o Conselho do Liceu deliberou fazer uma “Representação sobre a necessidade de uma lei geral da Instrução Pública…” dirigida à Câmara dos Deputados onde, numa linguagem “cáustica, frontal e muito clara” (Luís Correia, o.c.), tece duras críticas à Reforma de 1870 e expôs as suas opiniões de natureza pedagógica, organizacional e curricular com vista à potenciação da qualidade do ensino ministrado a nível liceal e à dignificação do ensino público. Na Câmara só uma voz se pronunciou e fê-lo em defesa dos professores do Liceu do Porto: Rodrigues de Freitas, então deputado Republicano. Em 1871, O Conselho do Liceu dirigir-lhe-á um voto de agradecimento; em 1910, por decreto do Governo Provisório da I República, passa a ser designado Liceu de Rodrigues de Freitas.
Mas isto não é tudo e, ciente de que a razão estava do seu lado, O Conselho do Liceu fez circular a Representação em letra de forma no ano de 1871; publicação que teve novamente réplica sob formato de Portaria no Diário do Governo e também sob formato de brochura. Os responsáveis do Liceu, “corajosos e com grande profissionalismo e espírito de independência”, em tréplica, também puseram à disposição do público uma brochura, ainda no ano de 1871. Este episódio é indubitavelmente um momento alto da história do Liceu e do brio dos seus professores perante os responsáveis políticos incompetentes e hesitantes. É, no dizer de Luís Correia “um dos momentos maiores da história do Liceu”.
4. Da primeira mudança de instalações à Reforma de Jaime Moniz (1894/95).
Apesar de o Liceu ocupar desde início instalações “mais que precárias”, só em 1861 fez a primeira mudança para a rua Formosa. Outras se sucederam (delas falaremos em anexo). Em 1877 o Liceu instalou-se na rua de São Bento da Vitória. Esta transferência fez com que ganhasse nova vida marcada por um ciclo de crescimento e de afirmação da sua imagem na cidade (Luís Correia, o.c.), e podemos dizer que veio dar razão ao reitor, o qual já na década de 1840 relacionava a falta de qualidade das instalações com o afastamento dos alunos.
Outro contributo para alterar positivamente o rumo da educação no Liceu – e no país -, foi a reforma de 1894-95 – vulgarmente conhecida por “Reforma de Jaime Moniz” -, que lhe conferiu um cunho de modernidade (Maria C. Proença, o.c.). Ao introduzir uma organização pedagógica coerente baseada no “regime de classe”, a reforma encara o ensino como um todo orgânico e visa a coordenação entre todas as disciplinas de cada ano. Esta é a pedra angular da reforma e um dos pontos mais contestados por alunos, encarregados de educação e professores e com dificuldades de execução em muitos liceus. No liceu do Porto encontrou um terreno propício e aberto à sua implementação, pois, como referimos, já se vinha a preparar para a mudança, desde a década de 1870. Com a reforma “verifica-se um assinalável crescimento da frequência no ensino secundário, e o número de alunos do ensino público passa a ultrapassar largamente o do ensino privado” (Maria C. Proença, o.c.). É a partir da reforma de 1895 que as primeiras alunas surgem no Liceu em regime ordinário (Luís Correia, o.c.).
Mas nem tudo era pacífico no Liceu, continuava a debater-se, com o leque de carências já referidas anteriormente: deficiências nas instalações, escassez ou falta de material didático, insuficiência de formação científica e pedagógica da classe docente, politização exagerada das questões educativas. Tudo isto era acompanhado por uma situação de grande indisciplina por parte dos alunos e atritos entre a classe docente. Foi neste clima que entrou o século XX.
5. O advento da República: tempos conturbados.
Adolfo Coelho, pedagogo que teve papel de relevo na referida reforma de Jaime Moniz, classifica a situação em que os liceus se encontravam nos finais do século 19, de verdadeira “anarquia”. Nesta conjuntura, o Liceu entra na República com um processo de sindicância movido pelas autoridades centrais (em virtude de problemas de indisciplina com 108 alunos), resistências pedagógicas por parte de alguns professores na afirmação dos valores republicanos e com a destituição do reitor. Para o substituir, a tutela nomeia um professor estranho ao Liceu. Esta prática irá manter-se no reitorado seguinte (Luís Correia. o.c.).
Apesar de diversas críticas movidas pelos republicanos à organização escolar instituída por Jaime Moniz – as reformas da educação na República deram-se mais a nível primário e superior que no setor secundário -, as finalidades e organização pedagógica dos liceus mantiveram-se com poucas alterações e o regime de classes continuou em vigor até 1936, quando foi temporariamente abandonado pela reforma de Carneiro Pacheco (como veremos). As maiores mudanças verificaram-se a nível de administração.
A 17 de Outubro de 1911, o Governo Provisório aboliu os lugares de reitor em todos os liceus e determinou que “até nova resolução” ficaria a desempenhar as funções de reitor um professor efetivo do respetivo conselho a eleger. Esta medida, como referimos, não se aplicou de imediato ao Liceu devido ao clima de indisciplina que aí se vivia. A eleição dos reitores pelos conselhos escolares, apesar de não ser uma decisão muito pacífica, acabou por se manter durante a I República; também não foi pacífica a criação dos serviços de inspeção que, por oposição da classe docente, os vários governos não os conseguiram impor neste período (João Barroso, o.c.).
Mas especificando: o ano de 1912 ficou para a história do Liceu pela existência de vários tumultos (expulsões de alunos, agressões e ameaças a professores, destruição de mobiliário, etc.). As tensões alargaram-se à classe docente e entre elementos seus – nomeadamente Leonardo Coimbra e o reitor. Uma constante nesta situação relacionava-se com a ideologia política: uns a favor, outros contra a República. Neste ambiente, “A Verdade”, jornal dirigido por alunos e com algum eco no meio, em 1912, relata com algum pormenor os conflitos vividos no Liceu, ao mesmo tempo que revela admiração pelos professores Jaime Cortesão, Leonardo Coimbra e Teixeira de Pascoais. Homens de relevo na cultura do país, os quais, refere o jornal, estavam “realizando uma obra altamente patriótica e arredada da lama política” no âmbito do movimento da Renascença Portuguesa (Luís Correia, o.c.).
6. O Liceu de Rodrigues de Freitas e a criação da Secção Feminina (futuro Carolina Michaelis).
Nesse mesmo ano (1912), Eduardo Ferreira dos Santos Silva (que foi Ministro da Instrução Pública em 1925 e 1926) é transferido do Liceu de Alexandre Herculano para o de Rodrigues de Freitas. Em outubro desse mesmo ano, é eleito reitor. Além de pacificar a comunidade escolar, no tempo da sua gestão foi também projetada a Secção Feminina dos Liceus do Porto e criada no ano letivo de 1914/15. Até então, pelo menos desde 1875, as alunas do ensino particular ou doméstico iam realizar as provas de exame ao Liceu. A documentação existente dá conta da frequência de alunas, no Liceu, em regime de ensino misto, a partir de 1895/96, como acima referimos. Esta situação, podemos acrescentar, não foi fácil de gerir, mormente pela postura incorreta (assédio) de alguns professores.
Em agosto de 1915, foi eleito novo reitor, António Augusto Pires de Lima, e foi então que a Secção Feminina iniciou a atividade letiva. Ficou instalada no prédio nº 441 da rua de Cedofeita com o apoio do Liceu de Rodrigues de Freitas a nível de recursos humanos (alunas e professores), de materiais e gestão. Em 1926, com a Ditadura Militar, a instituição abandona a designação republicana de Sampaio Bruno (1919 a 1926) e assume o nome de Carolina Michaelis, falecida em 1925.
Também, por decreto de 1926, os liceus femininos tornaram-se exclusivamente femininos, o que obrigou os professores masculinos a integrarem-se noutras escolas; foi só então que o liceu de Alexandre Herculano, por força da lei, transferiu as alunas aí matriculadas para o Liceu de Carolina Michaelis.
7. “Um objeto arquitetónico único no quadro da rede escolar portuguesa do século XX”.
As várias mudanças de instalações expressam o seu desajuste à função prosseguida, por isso os responsáveis pela instituição manifestaram, amiúde, desconforto e desagrado com a situação e preocupação várias vezes expressa para encontrar instalações condignas.
Em 1915, o Conselho Escolar refere que o Liceu, então localizado na rua de São Bento da Vitória, possui bom material didático, mas no que se refere às instalações, aí as deficiências são intermináveis: “São três prédios muito velhos, meio arruinados, insalubres e sombrios, … casas detestáveis”. Mas, não é tudo: é que, além de estar situado numa rua antiga e sombria, tem uma vizinhança que não é de todo recomendável para uma escola: “tem mesmo ao lado uma caserna, uma prisão, tabernas e casas de passe”. Estamos perante um “antro miserável em que |os alunos| arruínam a saúde física, intelectual e moral” (Luís Correia (o. c.).
Era urgente encontrar uma solução digna e definitiva, a que só a construção de um edifício em terreno amplo, bem localizado e com bom serviço de transportes daria resposta. A opção recaiu sobre terrenos da rua das Pirâmides (atual avenida de França) mas, por razões económicas (grandes custos com as indemnizações) e morosidade do processo, esta opção foi abandonada. Após pesquisas sobre possíveis alternativas, a opção recaiu em favor da quinta do Priorado, na rua da Paz. Solução de pouco agrado do arquiteto por tê-lo obrigado a alterar o projeto inicial de 1919, fazendo adaptações (em 1926) em função das dimensões do novo espaço.
A área da rua da Paz, em frente do Liceu, após arranjos urbanísticos, deu origem à atual praça Pedro Nunes. Também, nessa ocasião, foi aberta a rua Augusto Luso (ex-professor da instituição) até à rua da Boavista. As obras do atual edifício tiveram início em 1927, com projeto da autoria do Arquiteto José Marques da Silva, a sua inauguração foi em 1933. É, no dizer de Luís. Correia (o. c.), “um objeto arquitetónico único no quadro da rede escolar portuguesa do século XX”. E um edifício com “esquemas arquitetónicos monumentalizantes”.
Deixando para trás as péssimas condições em que o Liceu estava a funcionar na rua de São Bento da Vitória, dá-se início às atividades letivas no novo e amplo edifício, em setembro de 1932. Uma mudança qualitativa, como salientaram os responsáveis pela instituição, apesar de disporem apenas de “salas estritamente necessárias”. As obras de construção do resto do edifício ainda se prolongaram por mais algum tempo.
Após quase um século de história a lecionar em instalações “mais que precárias”, o Liceu possui, finalmente, um belo e amplo edifício.
8. O crescente número de alunos e o regime de desdobramento.
Em 1934/35, o reitor, em relatório de atividades, escreve que a construção do edifício estava praticamente terminada. Após a conclusão de uns acabamentos não constantes no projeto (vedações, etc.), o arquiteto, a 5 de janeiro 1938, fez a entrega do edifício ao Ministério da Educação Nacional.
A partir da década de 1930, houve um ligeiro aumento no número de alunos na instituição, e de forma muito significativa a partir dos finais da década de 1950. Tal situação, face a um edifício que tinha sido projetado para acolher 1000 alunos, moveu os responsáveis a recorrerem a estratégias de recurso: a partir de 1956/57, o Liceu começou a funcionar em regime de desdobramento parcial – com exceção do ano letivo de 1959/60 por ter sido criada, na rua das Taipas, uma secção para os alunos do 1ºciclo (12 turmas) -; em 1964, o Liceu abre em Matosinhos uma secção de frequência mista para o 1º e 2º ciclo, destinada a colmatar a falta de espaço. Finalmente, em 1967/68, com uma população escolar a rondar os 3500 alunos e 152 professores, o Liceu teve de começar a funcionar em regime de desdobramento total.
Em jeito de desabafo, o então reitor António Guerreiro especifica: “em tudo se teve de improvisar e tudo ficou mal”, e concretiza: “As salas de aulas não chegaram devido à afluência de alunos, pelo que foi necessário utilizar para salas permanentes os gabinetes de Física, Química e Ciências, bem como a biblioteca. Além disso, foram mandadas para o Liceu 100 raparigas, o que constituiu uma dificuldade suplementar, pois não havia recreios ou sanitários adequados” (João Barroso, o. c.). As alunas oriundas dos outros liceus frequentaram o 3º ciclo no Liceu, entre 1953/54 e 1959/60, nas áreas das humanidades e ciências sociais por só aí encontrarem essa oferta curricular.
Recorde-se que, à época, os liceus estavam sobretudo vocacionados para as áreas de ciências e tecnologias; veja-se a propósito as salas, laboratórios e anfiteatros específicos das disciplinas de desenho, matemática, biologia, física e química.
9. Grandes mudanças na política educativa.
Se durante a I República as “reformas” então havidas pouco alteraram o tipo de ensino secundário, foi com Gustavo Cordeiro Ramos em 1930, e mais tarde com Carneiro Pacheco em 1936, que se verificou uma grande mudança no ensino, a qual acentuava o papel ideológico da educação. Se a Ditadura Militar teve como objetivo destruir a “escola republicana”, o Estado Novo impôs a escola autoritária e nacionalista que dava realce ao cultivo das “finalidades morais” e patrióticas.
Neste período, o Liceu – como os seus congéneres – passou por diversas mudanças. A primeira foi a nível de gestão: a substituição de “reitores eleitos” por “reitores nomeados” pelo governo, em razão da confiança política; mudança acompanhada por uma acentuada diminuição da influência dos Conselhos Escolares. Depois foi a suspensão do regime de classes pelo regime de disciplinas em 1936, a adoção do livro único e o incremento das inspeções escolares que, como referimos, a República não conseguiu implementar. Anos mais tarde, Fernando Pires de Lima, com a reforma de 1947, intenta uma atitude de compromisso ao repor o “regime de classe” para o curso geral dos liceus e mantendo o regime de disciplinas para os alunos do 3º ciclo.
Com o apoio da Mocidade Portuguesa (MP) – que declarava ter como objetivo “cooperar com o Liceu na missão educativa”, mas verdadeiramente visava que os liceus fossem um aparelho de mobilização e de doutrinação ideológica -, houve um reforço da “educação integral”.
Esta (MP), criada em maio de 1936, partilhou desde então as atividades com a Associação Escolar, dirigida e organizada por estudantes – que no Rodrigues de Freitas tinha alguma expressão e contava com apoio de um ou outro professor muito dedicado à Associação -, mas em 1942 houve um ataque à prática associativa e na vida escolar dos alunos: são extintas as “associações escolares” e as suas atividades e os seus bens reverteram para o Centro Escolar nº7 da Província do Douro Litoral da MP, instalado no Liceu. Após um “intrincado processo”, a partir de 1941/42, também ficou com a gestão da piscina e sob a sua alçada ainda estavam a Educação Física e o Canto Coral.
Outra mudança, também de acentuado cariz ideológico, e com o fim de “filtrar” o acesso e frequência dos liceus foi a importância dada aos exames de admissão aos liceus, a promoção do sector privado – que entre 1940 a 1973 teve um acentuado acréscimo – e o encaminhamento ou aliciamento para as escolas técnicas cuja frequência, entre as décadas de 1960 e a de 1970, era o dobro da do ensino liceal.
10. O Liceu Normal de D. Manuel II e o seu estatuto único no panorama nacional.
Entre 1946 até 1966, o período de tempo em que António Américo Guerreiro esteve, como reitor, à frente dos desígnios da instituição, esta mudou de nome para Liceu de D. Manuel ll em 1947. Neste mesmo ano foram levadas a cabo as reformas curriculares de Fernando A. Pires de Lima. Para dar resposta à crescente procura dos alunos pelo ensino liceal, procedeu-se à ampliação das instalações com a edificação de mais uma divisão de salas de aulas (a 5ª divisão), à remodelação do Ginásio Grande, à construção do Teatro e à transferência da Biblioteca para o Salão de Festas.
Zona de desporto após as obras de ampliação das instalações.
Mas não foi a mudança do nome do patrono, a reforma curricular ou a ampliação do espaço físico o que mais contribuiu para elevar o nível pedagógico e educativo da instituição ao lugar a que tinha direito: foi a sua ascensão à categoria de Liceu Normal em 1957.
No que se refere à formação dos professores do ensino secundário, a medida mais importante tomada na República foi a criação de Escolas Normais Superiores, que funcionavam integradas nas Universidades de Lisboa e de Coimbra. Instituídas em 1911, e por uma contestada iniciativa da Ditadura Militar, foram extintas em 1930. Para as substituir, foi criada, nas Faculdades de Letras de Coimbra e de Lisboa, uma Secção de Ciências Pedagógicas.
Ainda no ano de 1930, foi imposto um modelo de formação de professores que vigorou (com algumas alterações) até 1969. Este modelo era composto por duas áreas distintas: a da “cultura pedagógica” e a da “prática pedagógica”. A primeira era ministrada nas Universidades e a segunda efetivava-se nos liceus normais de Lisboa (Pedro Nunes) e de Coimbra (Dr. Júlio Henriques, futuro D. João III e atual José Falcão). Entre 1947 e 1956 o único liceu do país a fazer formação de professores era o de Coimbra. Em 1956 abre o Pedro Nunes em Lisboa e em 1957 o de D. Manuel II no Porto.
Recuperado o prestígio abalado pelas políticas educativas de 1928-30 e durante o Estado Novo, o Liceu revelou um estatuto único no panorama nacional, acumulando (a partir de 1957) o estatuto de Liceu mais antigo da cidade do Porto, grande liceu nacional, devido ao elevado número de alunos matriculados, da sua grande área de influência pedagógica e de Liceu Normal. Assinala e documenta Luís Correia que “podemos considerar, a partir da comparação dos resultados estatísticos, que a preparação dos professores estagiários formados pelo Liceu entre 1957 e 1969, foi oficialmente reconhecido como sendo mais proficiente em relação aos outros dois liceus normais” (o. c. p.425).
A partir de 1968/1969, a realidade político-social alterou-se. Com o início do ciclo Preparatório do Ensino Liceal (CPEL) a escolaridade obrigatória é alongada até ao sexto ano – o Liceu contou com uma secção a funcionar até 1974 -, uma cada vez maior afluência dos alunos às escolas, a rede escolar pública amplia-se – tendo o Liceu participado nesse processo -, e, neste contexto, a formação de professores é forçada a entrar em registo mais acelerado.
11. Um “liceu exigente”.
Durante 70 anos – de 1836 a 1906 -, o Liceu Nacional Central do Porto foi a única instituição pública da cidade a ministrar o ensino liceal. Após a criação do Liceu de Alexandre Herculano em 1906, a sua área de influência na cidade abrangia as freguesias de Vitória, São Nicolau, Cedofeita, até à Foz. Também tutelava os concelhos de Matosinhos, Maia, Santo Tirso, Gaia, Vila da Feira, Arouca, etc. etc. Os alunos destes concelhos vinham fazer exame de admissão ao Liceu para depois poderem frequentar os colégios particulares, em caso de aprovação. Também os exames dos alunos dos colégios eram realizados no Liceu.
Muitos alunos de fora do Porto, por facilidade de transporte, frequentavam o Liceu, outros faziam-no para acompanhar os pais que trabalhavam no Porto – coisa que ainda agora acontece.
O facto de ter maior oferta formativa que qualquer outro liceu do Porto, também era fator que atraía alunos fora da sua área de influência pedagógica, como acontecia com os alunos que desejavam matricular se na área de humanidades. Embora sendo um liceu masculino, esta área de ensino era ministrada em turmas mistas (pelo menos de 1953 a 1960), mas nos recreios as alunas tinham um espaço a elas reservado.
Este era um liceu exigente, e podemos dizer “elitista” na medida em que selecionava, não por fatores económicos, mas em função do resultado dos exames de admissão. O primeiro ano letivo era um ano probatório, muitos “ficavam pelo caminho”, mas na retenção não se denota diferenças assinaláveis face a fatores socioeconómicos. Tão pouco havia discriminação social na elaboração das turmas que eram ordenadas decrescentemente em função do mérito académico. Os alunos que alcançavam o terceiro ciclo (6º e 7ºanos), já tinham superado muitas provas. Neste clima de exigência aconteceu um momento televisivo muito feliz que prestigiou os alunos, os seus mestres e a instituição em geral.
Um ano antes da Revolução de abril de 1974, em momentos agitados em termos políticos e sociais, houve um concurso estudantil entre liceus, organizado pelo MEN através do Secretariado para a Juventude. Criado em 1971, desconcentrava as suas funções através de centros para a juventude, criados por iniciativa própria ou por solicitação de organismos oficiais. Não era como a MP mas tinha objetivos algo “aparentados” e visando substituí-la na organização das atividades circum-escolares. Em janeiro de 1973, o reitor solicitou a criação de um centro nas instalações do Liceu. Pouco tempo após o Liceu foi convidado pelo MEN a participar no concurso televisivo Taco-a-Taco.
Decorreu a sua participação em três eliminatórias, a 6 de abril e 12 e 19 de maio de 1973. A prova final realizou-se a 19 de maio e teve frente a frente os alunos do Liceu de D. Manuel ll e o Liceu Camões de Lisboa. Os alunos do D. Manuel ganharam a final.
A equipa era constituída por alunos especializados em cada uma das áreas de conhecimento respeitante a matérias das componentes curriculares do 3º ciclo. A escolha dos alunos foi feita pelos professores e todos, exceto um (de Desporto que era do 6º ano), eram do 7º ano. Os Temas: Português, História, Geografia, Ciências Naturais, Ciências Físico-Química, Matemática, Desporto e Português de Hoje.
Este episódio, apesar de ter decorrido num período de contestação política com alguma expressão no Liceu nos inícios dos anos 1970, é a expressão da importância dada à formação académica dos alunos.
12. A Escola Básica e Secundária de Rodrigues de Freitas.
A lei nº5/73 de 25 de julho previa a unificação do ensino técnico e liceal, mas foi na sequência do 25 de abril de 1974, que a separação entre ensino técnico e liceal foi contestada por este ser considerado elitista. O ensino liceal dava acesso ao ensino superior (Universidades) e distinguia-se do ensino técnico orientado para o mercado de trabalho.
A partir de 1975 e na sequência do Decreto-Lei nº 260-B/75 de 26 de maio, os liceus começaram a ser transformados em escolas secundárias que deveriam ministrar tanto o ensino liceal como o técnico. Em junho de 1975 inicia-se a extinção do ensino técnico e a sua incorporação no ensino liceal que passa a ser conhecido como “ensino secundário unificado”. O processo de extinção dos liceus ficou concluído em 1978, altura em que todos os liceus passaram obrigatoriamente a ter a designação de escola secundária.
Com o Programa de Requalificação das escolas secundárias lançado em 2007, o Liceu/Escola sofreu (novamente) grandes remodelações. Esta intervenção implicou o reforço de alguns equipamentos e instalações, a adaptação de espaços para novas atividades, melhoramentos nos níveis do conforto ambiental e na reparação dos materiais devido ao desgaste, a distribuição dos espaços e criação de novos equipamentos com vista ao acolhimento do Conservatório de Música do Porto. No mesmo edifício funcionam duas instituições e entre elas existe um corpo central comum que abrange os laboratórios, ginásios, espaços sociais. E, como no início, entre 1840 a 1861, a instituição partilha as instalações.
A Escola de Rodrigues de Freitas dispõe de excelentes condições para um ensino de qualidade e se afirmar no panorama educativo da cidade do Porto: possui laboratórios modernos, uma ampla e valiosa biblioteca, museu da ciência com peças únicas a nível nacional, uma excelente mapoteca, etc.
Desde a sua fundação até à revolução de 1974, o Liceu foi sempre gerido por um reitor. No Liberalismo Monárquico nomeado pelo governo, na I República eleito pelos pares, durante o Estado Novo nomeado pelo ministro da educação com base na confiança política e, neste período, foi (quase) sempre um professor exterior à instituição. Após a revolução de abril até 1976, as escolas viveram um curto período de tempo de autogestão que cedeu lugar à figura de Conselho Diretivo (decreto-lei nº769-A/76 e portaria nº 677/77 de 4 novembro77). Atualmente, pelo decreto-lei nº75 de 2008, que altera o modelo de Gestão das escolas do ensino público pré-escolar e do ensino básico e secundário, a Escola de Rodrigues de Freitas tem ao seu leme um Diretor.
Hoje, a Escola Básica e Secundária de Rodrigues de Freitas é sede de Agrupamento de Escolas de Rodrigues de Freitas. Ao longo da sua quase bicentenária história, o antigo Liceu Nacional do Porto teve mudanças na sua categoria, mudanças de nome e de instalações. Hoje, como no início é frequentada por alunos desde o 5º ano de escolaridade até ao fim do secundário – que a Lei nº 85 /2009 de 25 de agosto tornou universal, gratuito e obrigatório. A qualidade científica e pedagógica aí ministrada continua a reger-se pelos elevados padrões característicos da história desta instituição. E os professores continuam a produzir dicionários, manuais escolares e ensaios num clima de gestão democrática.
Anexos:
1º As mudanças de patronos ou um certo baile de ideologias em quatro andamentos.
Primeiro andamento, 1908.
O Conselho Escolar deliberou por aclamação, em 1908, adotar o nome de D. Manuel II como patrono do Liceu; pouco tempo depois, os responsáveis pela instituição foram autorizados a executar essa deliberação. A adoção do nome do jovem monarca como patrono da escola é então justificada pelo contexto de “luto nacional e de grande pesar” pelo assassínio do rei D. Carlos I e do príncipe Herdeiro, D. Luís.
Segundo andamento, 1910.
Rodrigues de Freitas nasceu em 1840, ou seja, no ano em que o Liceu Nacional do Porto iniciou a atividade educativa. Esteve ligado a esta instituição por aí ter sido aluno (certamente) e pela atitude que, em sua defesa, tomou no Parlamento em 1870, como referimos. Realce-se ainda a sua ligação ao ensino como “dedicado” professor na Academia Politécnica e a reflexão pedagógica que produziu (A. Cunha e A. Tavares, o.c.). Os seus ideais progressistas são distintamente expressos no domínio educativo, social e político.
Depois da sua morte em 1896, o seu nome foi atribuído ao Liceu, por Decreto de 1910. O Conselho Escolar acolhe, por aclamação, esta determinação que classifica de “uma justíssima homenagem àquele nobre cidadão verdadeira glória desta terra”. Foi “uma decisão justa” (Luís Correia, o.c.).
Terceiro andamento, 1947.
Em 1947, através de uma ordem de serviço do Ministro da Educação Nacional, foi transmitido ao Liceu a mudança de nome (o mesmo aconteceu com muitas outras instituições a nível nacional). A justificação apresentada, no caso concreto, apoia-se no facto de o Liceu até à implantação da República ter tido como patrono D. Manuel II; e ainda: “a restauração da denominação primitiva impõe se como um ato de justiça e uma homenagem devida à memória deste Monarca”. – Porquê? – Porque o Monarca mostrou dedicar grande amor a Portugal, ser magnânimo e ter devoção pela cultura nacional.
Desconhecemos qualquer ligação especial do rei ao Liceu, nem nada que o realce perante a cultura ou menos ainda à educação ou à instrução em especial, ao contrário de Rodrigues de Freitas. Todavia, é no frontão do edifício que continua exarado o seu nome.
A suspensão do nome de Rodrigues de Freitas como patrono do antigo Liceu Nacional do Porto não foi uma simples birra do ministro para acicatar os republicanos, substituindo-o pelo do último rei de Portugal, “ela exprime um ato simbólico que traduz a mudança profunda que os Liceus sofreram durante o Estado Novo” (João Barroso, o. c.).
Quarto andamento (1974).
Após a Revolução dos cravos, pelo Decreto-Lei 771/74 de 31 de dezembro, o Liceu volta a ter como patrono Rodrigues de Freitas. A atribuição do seu nome à instituição está associada ao triunfo das Revoluções Republicana, em 1910 e dos Cravos, em 1974; seria interessante ver em que medida esse nome marca a vida da escola no seu “projeto educativo”.
2º. O Liceu ou a Universidade da Carvalhosa.
Leonardo Coimbra foi um prestigiado professor do Liceu e ministro da Instrução (em 1919 e em 1022-23). À frente do ministério criou, em 1919, a Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) após uma contenda com a Universidade de Coimbra e ter encerrado a respetiva Faculdade de Letras. A Ditadura, em 1928, encerra a FLUP e alguns dos seus professores: Leonardo Coimbra, Francisco Torrinha e outros regressam ao Liceu. No cinquentenário da sua fundação (1961) a FLUP é novamente criada e inicia o ano letivo (1962/63) com as Licenciaturas de Filosofia e História. O curso de Filologia Românica foi criado em 1968; em 1972 foram criados os cursos de Filologia Germânica e Geografia sob coordenação de dois professores do Liceu Normal de D. Manuel ll, respetivamente Armando Pinho de Morais e Rosa Fernanda Silva.
O epíteto de Universidade da Carvalhosa deve-se, sem dúvida, à qualidade do seu corpo docente, mas também por praticar uma “admissão seletiva” e ser um “liceu exigente”. Tinha um corpo docente muito qualificado, com grande experiência pedagógica e, muitos professores eram autores de manuais, gramáticas, dicionários, ensaios e alguns deles com experiência universitária. Era um grande liceu nacional, muito concorrido por alunos internos e externos, ao qual se adiciona a função de, como liceu Normal, formar, avaliar e certificar profissionalmente professores para a docência.
Baseando-se em documentação relevante (dados estatísticos), Luís Correia afirma que o Liceu tinha uma frequência interna caraterística dos mais populosos liceus nacionais e “que se tratava de uma escola impregnada por uma cultura de exigência académica superior aos demais liceus de referência, da cidade do Porto e normais” (Luís Correia o.c. p.151).
A exigência académica nele praticada fez dele um “liceu de elite”.
3º. Localizações do Liceu
1ª Localização – O Liceu iniciou a atividade letiva, em 1840, no edifício do antigo Convento das Carmelitas em “condições mais que precárias”: ocupava três salas. No antigo Convento já estava instalada a Academia Politécnica desde 1837, que também carecia de instalações adequadas para a sua atividade, fator que contribuiu para o seu moroso e difícil arranque.
O Liceu permaneceu aí instalado até 1861 e a Academia até ao início do século XX. Só após uma lenta e demorada construção do novo edifício, na praça Gomes Teixeira, é que a Academia mudou de instalações.
2ª Localização: Rua Formosa
A primeira mudança de instalações do Liceu Nacional do Porto verificou-se para a rua Formosa, em 1861, e aí permaneceu até 1866. Mais tarde o edifício foi ocupado pela Imprensa Nacional.
3ª Localização: Rua de Santa Catarina
Existem referências à mudança de instalação do Liceu para a rua de Santa Catarina em 1866 e aí terá permanecido até 1879. Na nossa pesquisa, encontrámos referências ao facto de Sampaio Bruno ter sido aluno do Liceu quando este estava instalado na rua de Santa Catarina. Em jornal Contacto – Jornal da Escola Secundária de Rodrigues de Freitas, 1 de junho de 1983, apresentando a figura acima reproduzida diz que foi para “onde se mudou o Liceu em 1866”, também Luís Correia, em Récita do Liceu, (p.159), refere a sua instalação de 1866 a 1879.
4ª Localização: Rua do Bonfim/Praça 24 de agosto.
Casa do Poço das Patas ou Palacete dos Cirne
Existem algumas referências ao facto de o Liceu ter estado instalado na Casa do Poço das Patas ou Palacete dos Cirne. O edifício foi construído entre 1812-15, sofreu obras de remodelação em 1930, tendo-lhe sido aumentado um piso. Em 1890, a Junta Paroquial do Bonfim adquiriu o edifício. No Blogue Monumentos Desaparecidos, o autor refere que o edifício “veio albergar o Liceu do Porto, já desaparecido, e incorporado no Liceu Rodrigues de Freitas”. Também em o jornal Contacto – Jornal da Escola Secundária de Rodrigues de Freitas, 1 de junho de 1983, se diz que o Liceu ficou aí instalado em 1879 e Luís Correia, em Récita do Liceu, refere a sua instalação de 1879 a 1884. (p.159). O edifício é atualmente sede da junta de freguesia do Bonfim
5ª Localização: Rua de Entreparedes Palacete de Campos Navarro.
António de Campos Navarro, negociante, manda construir o palacete na segunda metade do século XlX (1861). Também conhecido por Edifício da Real Companhia Vinícola do Norte por esta o ter ocupado em 1890.
Em 1933 esteve aí instalado o Instituto Comercial do Porto, transformado posteriormente em Instituto Superior de Contabilidade e Administração (ISCAP), até 1995. Com a transferência deste para São Mamede Infesta, nas proximidades do campus universitário da Asprela, o edifício entrou em degradação.
O referido jornal Contacto, Jornal da escola Secundária Rodrigues de Freitas refere, na sua publicação de 1 de junho de 1983, que o Liceu esteve instalado em 1884. Luís Correia em Récita do Liceu refere a sua instalação entre 1884-1887 (p.159).
Em 2020, o palacete reabriu como hotel de Luxo.
6ª Localização: Rua de São Bento da Vitória.
O Liceu ocupou, na rua de São Bento da Vitória, o edifício com entrada pelo nº20 e mais dois edifícios arrendados na vizinhança: o edifício da “Bateria” na esquina da rua de S. Miguel nº 1 a 5 com a rua de S. Bento da Vitória e o edifício 1 e 2 desta mesma rua. Se as “dependências” eram suficientes e possuía bom material didático, laboratórios, etc. “as três casas arrendadas em que se acha instalado são detestáveis” como referia em 1928 o Conselho Escolar.
Um professor da instituição qualifica o edifício como “Antro miserável em que os |alunos| arruínam a saúde física, intelectual e moral”, onde não há espaço para os recreios, não tem condições para o ensino da “ginástica a todos os alunos”, tetos de alguns gabinetes a ameaçar ruir, etc.
Luís Correia, (o. c. pág. 127) refere que a transferência do Liceu para São Bento da Vitória se deu em 1877, pelo que fica algo por esclarecer a partir da saída do Liceu da rua Formosa e posteriores localizações acima referidas.
Acrescente-se o que escreve João Barroso sobre as localizações do Liceu após deixar as primitivas instalações no antigo Convento das Carmelitas: “Até 1932 (data em que veio ocupar as actuais instalações, construídas de raiz) o liceu ainda mudou mais duas vezes de sítio (rua Formosa, primeiro, e S. Bento da Vitória, depois), mas sempre em instalações deficientes e degradadas” (o.c. pág. 255).
7ª Localização: Praça Pedro Nunes desde setembro de 1932
O Liceu na Praça Pedro Nunes.
Deixando para trás a longa permanência na Rua de São Bento da Vitória, em setembro de 1932, ainda com obras a decorrer, dá-se início à atividade letiva no edifício da praça Pedro Nunes.
Projeto Eureka – Projeto primitivo (1919).
Projeto de 1926, adaptado ao espaço da quinta do Priorado/rua da Paz.
4º. Uma “zelosa” placa de Mármore.
Certamente que o leitor já reparou numa pequena placa de mármore colocada à entrada do “Liceu” e poderá ter sentido alguma estranheza com o referido objeto.
Em cumprimento de um decreto de Gustavo Cordeiro Ramos (Ministro da Instrução Pública), datado de 16 de outubro de 1931, viria, por motivos de propaganda política, ser colocada, em todos os edifícios construídos após 28 de maio de 1926 (fim da l República e início da Ditadura Militar), uma memória destinada a recordar aos vindouros a respetiva construção (ou, noutros casos, melhoramento).
As obras no edifício arrancaram em 1927 e ficaram concluídas em 1933, mas recordemos que o projeto inicial é de 1919, portanto republicano…
Nesse decreto pode ler-se, no artigo 1º: “Convindo perpetuar de forma indelével tão grande esforço despendido” pelo regime, determina-se que “Em todos os edifícios de estabelecimentos dependentes do Ministério da Instrução Pública que tenham sido adquiridos, construídos ou ampliados após o 28 de Maio de 1926, será aposta na fachada principal, embebida no reboco da alvenaria, uma placa de mármore, com a seguinte inscrição gravada em relevo: “Edifício adquirido sob a Ditadura Nacional. Ano de 19… A palavra “adquirido” será substituída pelas palavras “construído”, “concluído”, ou “ampliado” conforme os casos.
No artigo 4º lê-se: “O Ministério da Instrução Pública” irá abrir um concurso público para o fornecimento das placas”.
Reza a história que o decreto foi rigorosamente cumprido, e também que o edifício se tornou por ocasião da colocação da lápide “palco de embates políticos” verbais, inscrições nas paredes da fachada e de pedradas dirigidas à placa. Apesar das “cicatrizes” com que ficou, o “odioso sintagma” nela escrito – como o classificou o aluno José Augusto Seabra -, ainda aí permanece… em respeito pela História.
5º. Alguns professores e alunos ilustres do Liceu.
Professores
Augusto Luso, (1827-1902): Professor, poeta, naturalista.
António Augusto Pires de Lima, (1880-1953): Professor, advogado, diretor-geral do ensino liceal.
Francisco Torrinha (1879-1955): Professor, filólogo e reitor interino do Liceu.
Joaquim António da Fonseca de Vasconcelos, (1849-1936): Professor historiador, crítico de arte e museólogo.
Jaime Cortesão (1884-1960): Médico, político, professor, historiador.
Leonardo Coimbra (1883-1936): Filósofo, professor, político e ex-ministro da educação.
Óscar Lopes, (1917-2013): Professor, crítico literário, investigador nas áreas da literatura e da linguística, vice-reitor da Universidade do Porto, político.
Teixeira de Pascoaes, (1877-1952): Professor, poeta, escritor e filósofo (um dos principais representantes do Saudosismo).
Alunos
– Abel Salazar, (1889-1946): Médico, cientista, professor, artista Plástico, prosador e pensador.
– Agostinho da Silva, (1906-1994): Ensaísta, poeta, professor, filólogo, pedagogo.
– Alberto Amaral, (1942): Professor, investigador no CIPES. Foi reitor da UP e, atualmente, é Presidente da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior.
– Artur Jorge, (1946-2024): Jogador, treinador e selecionador (de várias seleções nacionais) de futebol.
– Augusto Santos Silva, (1956): Professor, sociólogo, político, ex-ministro, ex-presidente da Assembleia da República.
– Fernando Teixeira dos Santos, (1951): Professor, político, ex-ministro das Finanças.
– Francisco de Sá Carneiro, (1934-1980): Advogado, político, fundador do Partido Popular Democrático (PPD/PSD) e antigo primeiro-ministro.
– José Augusto Seabra, (1937-2004): Poeta, professor, ensaísta, diplomata, político e ex-ministro da educação.
– José Mário Branco, (1942-2019): Músico e cantautor.
– Óscar Lopes, (1917-2013): Professor, crítico literário, investigador nas áreas da literatura e da linguística, vice-reitor da Universidade do Porto, político.
– Rui Moreira, (1956): Empresário, político, dirigente associativo e Presidente da Câmara Municipal do Porto.
– Sampaio Bruno, (1857-1915): Escritor, ensaísta e filósofo.
Referências bibliográficas
Bibliografia fundamental (para a elaboração deste trabalho)
– Barroso, João. “Os liceus portugueses- O caso do Liceu Rodrigues de Freitas», in VVAA. Orgs, colóquio “Rodrigues de Freitas; a obra e os contextos». CLC-FLUP, Porto, 1997, pp.253-270.
– Correia, Luís Antunes Grosso. Récita do Liceu.
– O Liceu Rodrigues de Freitas/ D. Manuel II No Estado Novo, ISBN, Editora Colibri, 2016. (Tese de Doutoramento).
– Carvalho, Rómulo, História do Ensino em Portugal, desde a Fundação da Nacionalidade até ao fim do Regime de Salazar-Caetano, F.K.G., Lisboa, 1986
Bibliografia complementar
– Barroso, João, Os Liceus, Organização pedagógica e administração (1836-1960), F.K. G. e J.N.I.C., Lisboa, 1995.
– Cunha, António Augusto Oliveira e Tavares, António.
– Rodrigues de Freitas. “A razão dum patrónimo”, in Tertúlia Escola Secundária Rodrigues de Freitas, Ano 2, nº2, Composição Gráfica Empresa Gráfica Feirense, Santa Maria da Feira, junho de 2002.
– Proença, Maria Cândida “O Ensino Secundário em Portugal” (1895-1936). Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.